quarta-feira, janeiro 24, 2007

MEGALupa: Reportagem sobre claques no jornal "Notícias da Manhã"

Nas bancadas de um jogo de futebol
Terça-Feira, 23 de Janeiro de 2007
Nas bancadas de um jogo de futebolDiogo Carvalho (texto)/Luís Brás (fotos)

João (nome fictício), benfiquista assumido, não entra num estádio de futebol “há dois anos”. “Fui com os meus filhos ao Benfica-FC Porto da época 2004/05. As coisas até estavam a correr bem, mas a certa altura a claque do adversário começou a arremessar objectos para a bancada onde eu estava. Senti a integridade física dos meus filhos em risco”. O testemunho do João é elucidativo. Bastou um gesto de violência de uma claque para afastar uma família desse fenómeno desportivo, o futebol. Tão elucidativo que é corroborado por Miguel (nome fictício), membro dos Diabos Vermelhos, claque afecta ao Sport Lisboa e Benfica. “Se por um lado as claques são parte do espectáculo, por vezes também dão exemplos negativos, que acabam por afastar famílias do futebol. No entanto, muitas vezes esses actos são cometidos por pessoas que se infiltram nas claques sem nada terem haver com elas”. Visão curiosa tem Luís Carlos, membro da Torcida Verde, “grupo de apoio” - como faz questão de frisar - afecto ao Sporting Clube de Portugal. “Se calhar não há mais adeptos nos grupos de apoio devido ao facto de as pessoas pensarem que é só violência. Essa é uma ideia que está bastante vincada e que é difícil desmistificar. Mas queremos acreditar que os adeptos em Portugal não vão aos estádios na predisposição de arranjarem ‘cegadas’”.

“Queremos ser parceiros do fenómeno desportivo”
Fundada em 1984, a Torcida Verde cumpriu todos os requisitos que a lei exige para ser considerada um grupo de apoio. Luís Carlos diz mesmo que a legalização é o melhor caminho para as claques. “Todos as épocas enviamos os ficheiros para o Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto (CNCVD) com o nome, fotografia, profissão, entre outros aspectos, de todos os membros que fazem parte da Torcida Verde. O Sporting, por sua vez, declara de forma transparente e objectiva o seu contributo aos grupos de apoio. Os grupos de apoio deviam apostar na legalização, mas preferem manifestar-se contra a lei em vez de a assumirem. Nós [Torcida Verde] queremos ser parceiros do fenómeno desportivo”.
Do lado oposto, Miguel não quis comentar as razões de os Diabos Vermelhos não cumprirem os requisitos que a lei obriga para que sejam considerados uma claque legal. “Não me diz respeito. É um assunto que envolve quem dirige a claque”.

Relação entre claques do mesmo clube
Muitas vezes, a convivência entre claques afectas ao mesmo clube não é fácil. No caso do “encarnados”, segundo Miguel, “a relação entre Diabos Vermelhos e No Name Boys [outra claque afecta ao clube das águias] é inexistente”, chegando mesmo ao ponto de “ambos os grupos ‘atropelarem’ os cânticos de um e de outro”.
Do lado rival, Luís Carlos é peremptório: “Cada grupo de apoio ao Sporting segue o seu caminho, mas existe respeito”. A opinião é confirmada por António Fernandes, membro da mesma claque, e que aproveita para dar um exemplo. “Na época passada, constatámos que as arbitragens estavam a prejudicar o Sporting. Decidimos juntar-nos aos outros dois grupos de apoio [Juve Leo e Directivo] e fizemos uma coreografia conjunta que acabou por correr bem”.

É possível fazer do futebol uma festa
Na conversa com o NM, Luís Carlos designou sempre a Torcida Verde como um grupo de apoio e não como uma claque. A razão é simples: “Não gosto do termo claque porque dá um aspecto de caciquismo. Parecem aqueles caciques da aldeia ligados a certo tipo de interesses e que têm o seu grupo de lacaios”.
Outro dos aspectos curiosos na Torcida Verde é o facto de muitos membros serem mulheres e jovens: “Por vezes reunimos famílias inteiras. Esta é a maneira que temos para mostrar que é possível vir ao futebol a fazer dele uma festa. O nosso objectivo nada tem haver com violência ou racismo, queremos sim, e isso já nos dá muito orgulho e muito trabalho, apoiar incondicionalmente o nosso clube”, sustenta este adepto “leonino”.
Já Miguel, ao nosso jornal, mostrou-se um pouco insatisfeito com o rumo dos Diabos Vermelhos: “Há pouca organização na claque. Cada um segue o seu caminho e faz o que lhe apetece. Já chegou a haver confrontos entre membros da claque”.

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Preparação dos jogos de alto risco
Os jogos que opõem os três grandes do futebol português são considerados de alto risco. No entanto, Luís Carlos afirma que a polícia fala sempre com a Torcida Verde na véspera dos jogos. “Antes de qualquer encontro a polícia fala connosco. Quando se trata de uma deslocação, juntamo-nos todos no mesmo sítio”. Falso é, todavia, pensar-se que os jogos de alto risco são aqueles cuja deslocação de uma determinada claque pode acarretar problemas. “Há certas deslocações que são tidas como de alto risco, mas com o cuidado que a polícia tem acabam por ser os mais fáceis. Outras deslocações, em que teoricamente as coisas parecem mais calmas, podem tornar-se complicadas”.
Também os Diabos Vermelhos, quando se deslocam a qualquer estádio, estão em estreita sintonia com a polícia. “Quando temos que ir a Alvalade ou ao Dragão, os cuidados da polícia são maiores. Normalmente encontramo-nos todos ao pé do estádio, local onde a polícia começa por fazer um cordão”, afirma Miguel.
O NM contactou o Comando Metropolitano da PSP de Lisboa para tentar perceber como as autoridades policiais preparam um jogo de alto risco. Segundo fonte do Comando Metropolitano, “a Federação Portuguesa de Futebol faz uma proposta que é avaliada pelo Instituo de Desportos de Portugal, que depois classifica e determina que esse jogo é de alto risco”. Depois desta avaliação, compete à “Unidade Regional de Informações Desportivas (URID) do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa fazer a avaliação prévia da ameaça e risco inerente ao jogo”, esclareceu a mesma fonte.
Assim, quando as autoridades se deparam com um jogo de alto risco, uma das preocupações da polícia é “evitar confrontos de adeptos e claques, mantendo com eles um relacionamento de compromisso e de ajuda mútua”, sustenta, acrescentando que outra das preocupações é a entrada de petardos nos recintos desportivos: Existe, com maior frequência a tentativa, e por vezes bem sucedida, de introdução de artefactos pirotécnicos nos Estádios”.
De resto, segundo a mesma fonte, um jogo de alto risco “obriga a um destacamento de 550 a 700 elementos policiais”.

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O que diz o CNVD
O NM confirmou junto do Conselho Nacional Contra Violência no Desporto (CNVD) a legalidade da Torcida Verde. Segundo fonte do CNVD, “a Torcida Verde apresentou no Instituto do Desporto de Portugal, no dia 21 de Fevereiro de 2006 um pedido de actualização anual do registo dos seus filiados nos termos do prescrito no n.3 da lei n.16/2004 de 11 de Maio. Após análise por parte do CNVD foram solicitados elementos de identificação dos respectivos filiados que se encontravam em falta. Esses elementos foram entregues no passado dia 15 de Novembro de 2006 encontrando-se o processo em reanálise”

Ligações:
Versão original da reportagem sobre claques do Notícias da Manhã

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